A semana passada repetiu, em menor escala, as
primeiras semanas de agosto do ano passado. O ex-procurador da Fazenda Nacional
Renato Chagas Rangel ajuizou mais três ações populares questionando o mérito de
decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que rejeitaram
autuações fiscais a grandes empresas. Com as outras 59 ajuizadas em agosto de
2012, o Carf agora enfrenta 62 ações populares iguais.
O ajuizamento das ações é a repetição de um
episódio que preocupou os membros do Carf no início deste ano. O conselho é o
órgão colegiado do Ministério da Fazenda destinado a discussões tributárias
entre contribuintes e fisco federal. O ex-procurador Rangel, ano passado,
ajuizou as quase 60 ações para questionar decisões que entenderam não serem devidos
tributos e multas cobrados pela Receita Federal.
Rangel alegava que, como o Carf é um órgão do
Ministério da Fazenda, parte da União, e os conselheiros decidiram pela não
existência do crédito tributário, a União foi omissa em seu papel de tributar, prejudicando
os cofres públicos. Foi a mesma alegação nas 59 primeiras ações, e é a mesma
nas três ajuizadas na semana passada.
Todas as ações que foram analisadas pela Justiça
Federal foram negadas sem nem mesmo análise de mérito. As sentenças afirmam que
não cabe ação popular para questionar mérito de decisões administrativas.
Caberia se fosse alegada alguma ilegalidade dos conselheiros, como suborno ou
corrupção, o que não é feito. O Tribunal Regional da 1ª Região já analisou três
recursos e manteve os posicionamentos da primeira instância, também sem
analisar o mérito da questão.
A Justiça Federal entende que a lei dá ao Carf o
poder discricionário para analisar as autuações fiscais e os argumentos dos
contribuintes de acordo com seus entendimentos. Se os conselheiros entendem que
o tributo não é devido, esse passa a ser o posicionamento administrativo do
Ministério da Fazenda. Por meio do Carf, a União, a maior interessada no
crédito tributário, diz que aquele tributo não é devido, e não cabe ação judicial
para questionar o mérito dessa decisão, nem mesmo ação popular.
Ágio interno
Dos três casos impugnados por Renato Rangel em agosto, dois se referem ao uso de ágio para abatimento de Imposto de Renda e Contribuição Social Sobre Lucro Líquido. O caso mais recente é o do Banco Gmac, uma das empresas financeiras da montadora americana General Motors. A decisão do Carf foi de autorizar o uso do ágio interno em operações de concentração das atividades financeiras da GM em uma empresa separada, a Gmac.
Dos três casos impugnados por Renato Rangel em agosto, dois se referem ao uso de ágio para abatimento de Imposto de Renda e Contribuição Social Sobre Lucro Líquido. O caso mais recente é o do Banco Gmac, uma das empresas financeiras da montadora americana General Motors. A decisão do Carf foi de autorizar o uso do ágio interno em operações de concentração das atividades financeiras da GM em uma empresa separada, a Gmac.
No Brasil, todas elas ficavam sob o chapéu GMB, ou
General Motors Brasil. O negócio foi a transferência das ações das empresas
financeiras da GMB para a Gmac. De acordo com as alegações do Banco Gmac ao
Carf, a operação foi feita na modalidade arm’s length (compra pelo valor exato
de custo, de acordo com o calculado por uma auditoria independente) e custou R$
957,4 milhões.
As empresas declararam ágio de R$ 560,8 milhões
para amortização de R$ 70 milhões em tributos. O fisco pedia justificação
negocial para o abatimento tributário. O Carf, no entanto, entendeu que, como
não há qualquer vedação legal ao uso do ágio interno, o caso é de elisão
fiscal, ou planejamento tributário. Também entendeu que o propósito negocial da
operação ficou comprovado pelos fatos apresentados. A autuação fiscal foi
cancelada, mas, para Renato Chagas Rangel, a decisão do Carf significou
leniência da União em relação ao interesse de arrecadar, prejudicando o erário.
Repetição
Outro dos casos é o do banco Santander, que já havia sido questionado pelo ex-procurador, mas agora volta a ser discutido, também em ação popular. O juiz federal Paulo Ricardo de Souza Cruz, da 5ª Vara Federal de Brasília, negou o pedido, e alegando que não cabe ação popular para questionar o mérito de decisões tributárias.
Outro dos casos é o do banco Santander, que já havia sido questionado pelo ex-procurador, mas agora volta a ser discutido, também em ação popular. O juiz federal Paulo Ricardo de Souza Cruz, da 5ª Vara Federal de Brasília, negou o pedido, e alegando que não cabe ação popular para questionar o mérito de decisões tributárias.
O caso do Santander envolve a privatização do
Banespa, no início dos anos 2000. O banco espanhol pagou R$ 7,5 bilhões pelo
estatal paulista, cujo patrimônio líquido, à época, era de R$ 2,11 bilhões. O
Santander discutiu uma autuação fiscal que chegava a R$ 4 bilhões
referente à compra do Banespa. O valor pago e o patrimônio do Banespa, que
comporiam o “preço” da companhia, é o equivalente ao ágio. E o banco espanhol
usou essa quantia para abater de seu IRPJ e CSLL dos anos calendário de 2002,
2003 e 2004. Baseou-se na Lei 9.532/1997, que autoriza o uso do ágio para
amortização de tributos à razão de 1/60 ao mês. A Receita havia entendido que a
amortização feita pelo Santander foi excessiva e autuou o banco.
Em decisão de 2011, o Carf autorizou o uso do ágio
pelo Santander. O colegiado entendeu que a conta do banco espanhol levou em
conta apenas a rentabilidade futura esperada para o investimento, e não em
valores de bens intangíveis como marca ou fundo de comércio.
Caça ao ágio
A questão discutida nas ações populares coincide com a escolha, pela Receita Federal, do uso do ágio interno para pagar menos impostos por empresas que passam por reorganizações como o alvo principal de suas autuações. Segundo dados da própria Receita, as autuações fiscais que questionam aproveitamento de ágio em operações consideradas fantasiosas, ou sem propósito negocial, chegam a R$ 100 bilhões.
A questão discutida nas ações populares coincide com a escolha, pela Receita Federal, do uso do ágio interno para pagar menos impostos por empresas que passam por reorganizações como o alvo principal de suas autuações. Segundo dados da própria Receita, as autuações fiscais que questionam aproveitamento de ágio em operações consideradas fantasiosas, ou sem propósito negocial, chegam a R$ 100 bilhões.
Como mostrou reportagem da ConJur de
novembro do ano passado, o uso do ágio tem sido visto pelo Carf como uma nova
tese tributária. Mas, para o fisco federal, a “nova tese” é dos maiores
problemas tributários do país. Fica ao lado das discussões a respeito de lucros
de empresas estrangeiras coligadas ou controladas por companhias brasileiras e
abatimento de insumos indevidos de PIS e Cofins.
Quem acompanha o andamento das ações populares
desde o ano passado estranhou a coincidência. Primeiro pelo fato de Renato
Rangel saber justamente quais são os casos que envolvem uso de ágio que são de
interesse da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Depois pelo fato de o ex-procurador estar tão atualizado a respeito de decisões
importantes do Carf e que tratam justamente dos temas de maior preocupação da
Fazenda.
O presidente do Movimento em Defesa da Advocacia
(MDA), Marcelo Knopfelmacher, considerou o ajuizamento das novas
ações "inaceitável". "É lamentável a retomada desse episódio.
Trata-se de uma aventura jurídica, como o Judciário já decidiu algumas vezes, e
é inadmissível essa tentativa de desrespeitar as decisões do Carf por via
adversa", declarou.
Por Pedro Canário
Fonte: CONJUR
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