quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Cabe à OAB criar pessoa jurídica individual para advogado

Segundo o artigo 150, caput e parágrafo 1º, inciso II, do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), são empresas individuais — equiparadas para fim de tributação da renda a pessoas jurídicas — as pessoas físicas que, em nome individual, explorem qualquer atividade econômica, civil ou comercial, consistente na venda de bens ou serviços.
Da equiparação estão excluídas, porém, as pessoas físicas que se dedicam a “profissões, ocupações e prestação de serviços não comerciais”, e nomeadamente às de “médico, engenheiro, advogado, dentistas, veterinário, professor, economista, contador, jornalista, pintor, escritor, escultor e (...) outras que lhes possam ser assemelhadas” (parágrafo 2º, incisos I e II).
Combater tais exclusões pela via judicial, além de demorado, pode ser infrutífero, como demonstra o precedente da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.643, em que o Supremo Tribunal Federal declarou não ser ofensiva à isonomia a regra que exclui do Simples as profissões liberais.
O impasse encontra solução, a nosso ver, na Lei 12.441, de 2011, que inseriu o artigo 980-A ao Código Civil e introduziu no Direito brasileiro a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), pessoa jurídica de Direito Privado unipessoal.
Nesta coluna, trataremos especificamente do caso da advocacia, a atividade mais regulamentada dentre as referidas acima, mas as soluções propostas estendem-se para quase todas as listadas no artigo 150 do RIR.
Entendem alguns que o artigo 980-A do Código Civil é inaplicável à profissão, tendo em vista: (a) o caráter empresarial da Eireli, que é vedado à advocacia, na forma dos artigos 966, parágrafo único, do Código Civil e 16, caput, da Lei 8.906, de 1994 — Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB); (b) o caráter limitado da responsabilidade patrimonial da Eireli, que seria incompatível com o artigo 17 do EAOAB; e (c) o caráter especial do EAOAB, que não foi revogado pelo Código Civil ou pela Lei 12.441, de 2011.
Embora algumas dessas premissas sejam acertadas, temos que a conclusão não se sustenta.
A Eireli é figura acessível a qualquer indivíduo capaz — o que decorre da natureza universal do Código Civil — e apta a desenvolver quaisquer atividades, empresariais ou civis, como se verifica do parágrafo 5º do artigo 980-A, que fala em serviços de qualquer natureza; excluem-se apenas as atividades que exigem forma societária específica, como as bancárias.
Embora a pessoa jurídica individual (que não é sociedade, como se nota do artigo 44 do Código Civil) não conste, por razões óbvias, do EAOAB, consideramos errôneo afirmar-se a incompatibilidade daquela com este. De fato, não conflita com as leis anteriores, gerais ou especiais, que preveem as figuras A e B a lei posterior que introduz de maneira genérica o instituto C como alternativa extra para a formalização jurídica de uma mesma situação de fato.
Trata-se, nesse caso, não de conflito (a ser dirimido pelos critérios de hierarquia, cronologia e especialidade), mas de cúmulo normativo. O tema, pouco explorado na doutrina, mereceu a atenção de Carlos Maximiliano, para quem “pode ser promulgada nova lei, sobre o mesmo assunto, sem ficar tacitamente ab-rogada a anterior”, caso daquela que estende a casos novos o campo de aplicação de diploma preexistente.
Há precedentes no campo tributário, bastando recordar-se o efeito da criação da cisão de sociedades — figura inexistente no Decreto-lei 2.627, de 1940, e inaugurada pela Lei 6.404, de 1976 — sobre a disciplina da responsabilidade tributária por sucessão.
O artigo 132 do Código Tributário Nacional, que é de 1966, obviamente não lhe fazia referência. E até hoje não há norma geral que a contemple, a tanto não equivalendo o artigo 5º, inciso II, do Decreto-lei 1.598/77, seja por ter nível de lei ordinária, seja por reger unicamente o imposto de renda.
Apesar disso, doutrina e jurisprudência admitem tranquilamente a responsabilidade das empresas-filhotes pelos tributos devidos pela cindida, ao argumento de que, sendo forma adicional de mutação empresarial, deve ter o mesmo tratamento jurídico daquelas previstas no artigo 132.
Isso também o que fez a Lei 12.441, de 2011, que não revogou qualquer dispositivo do Código Civil ou do EAOAB e que, emendando expressamente o primeiro, estendeu de forma tácita ao segundo a situação nova que deu à luz.
Sendo certo que cabe à OAB o registro do advogado individual e da sociedade de advogados (EAOAB, artigos 8 a 17) e que compete ao seu Conselho Federal disciplinar os casos omissos no Estatuto (EAOAB, artigo 54, XVIII), temos que incumbe a este último adaptar, por Provimento, as regras da EIRELI às especificidades legais da advocacia.
Tais adaptações não afetam os contornos essenciais do artigo 980-A do Código Civil, estando por isso mesmo ao alcance da entidade de classe. De fato, trata-se simplesmente (a) de substituir a expressão Eireli, na parte final da denominação da pessoa jurídica, por “Advogado Pessoa Jurídica Individual”, “AIPJ” ou termo similar (parágrafo 1º); e (b) de dispor que o registro far-se-á na OAB (parágrafo 6º), ficando mantidas as demais regras, a saber: (i) capital mínimo (caput); (ii) unicidade da inscrição principal (parágrafo 3º), admitidas as suplementares; (iii) possibilidade de conversão de sociedade de advogados em “Advogado Pessoa Jurídica Individual” (parágrafo 4º); (iv) aplicabilidade subsidiária das regras próprias às sociedades limitadas (parágrafo 6º).
A abertura legal para tais ajustes assenta, repita-se, no parágrafo 5º do artigo 980-A do Código Civil, que nega o cariz unicamente mercantil da Eireli ao permitir-lhe a prestação de serviços de qualquer natureza – inclusive civis, portanto.
A singeleza do instituto, combinada com a sua finalidade inclusiva (permitir a qualquer pessoa física a atuação sob o manto da personalidade jurídica), leva-nos a concluir que não se repete aqui a lógica das sociedades por ações, que têm caráter empresarial pelo simples fato de adotarem esta forma jurídica, não importa qual seja a sua atividade.
A menção restritiva a empresa individual e a nome empresarial constitui, a nosso sentir, um caso clássico de minus dixit do legislador. Até porque, como lembra José Tadeu Neves Xavier, as sociedades limitadas — cujas regras disciplinam subsidiariamente a Eireli — podem exercer tanto atividades empresariais como civis, como se verifica da conjugação dos artigos 983 e 1.052 a 1.087 do Código Civil.
Esta também a visão da Receita Federal do Brasil, que na Nota Cosit 446, de 2011 recomenda que o registro da Eireli seja feito na Junta Comercial, quando o seu objeto for empresarial, ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, na hipótese contrária.
Tampouco impede a extensão do artigo 980-A à advocacia a disposição do artigo 17 do EAOAB. O que se tem é o conflito de regra geral nova (a resposabilidade limitada do Advogado Pessoa Jurídica Individual quanto às obrigações em geral) com regra específica preexistente, que prevalece em seu campo de incidência próprio (a responsabilidade ilimitada por danos ao cliente).
A interpretação histórica reforça a conclusão, ao recordar o veto ao parágrafo 4º do artigo 980-A, segundo o qual “somente o patrimônio social da empresa responder[ia] pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente".
O comando afastaria de plano e em definitivo as hipóteses legais de disregard, como anotou a Presidência da República em suas razões de veto, e quiçá impedisse também a aplicação da pessoa jurídica individual à advocacia, por colocar o cliente em situação de fragilidade incompatível com o princípio da responsabilidade por culpa. O fato de ter sido vetada afasta essa dificuldade.
O “Advogado Pessoa Jurídica Individual”, sendo pessoa jurídica de pleno direito, submeter-se-á ao regime tributário destas independentemente da equiparação vedada pelo artigo 150 do Regulamento do Imposto de Renda. Isso o que afirmou, em relação aos médicos, a própria Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta 131, de 2013.
Pensamos, ademais, que a figura não traz desvantagens em tema de ISS, pois o artigo 9º, parágrafo 1º, do Decreto-lei 406/68 determina a tributação per capita “quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte”, o que continuará a ser o caso.
Em suma, parece-nos que está ao alcance do Conselho Federal da OAB — obtida, por segurança, a anuência do Fisco federal quanto à interpretação aqui proposta — mitigar a carga tributária dos milhares de advogados que atuam individualmente.
Por Igor Mauler Santiago

Fonte: CONJUR

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