Segundo o
artigo 150, caput e parágrafo 1º, inciso II, do Regulamento do
Imposto de Renda (RIR), são empresas individuais — equiparadas para fim de
tributação da renda a pessoas jurídicas — as pessoas físicas que, em nome
individual, explorem qualquer atividade econômica, civil ou comercial,
consistente na venda de bens ou serviços.
Da
equiparação estão excluídas, porém, as pessoas físicas que se dedicam a
“profissões, ocupações e prestação de serviços não comerciais”, e nomeadamente
às de “médico, engenheiro, advogado, dentistas, veterinário, professor,
economista, contador, jornalista, pintor, escritor, escultor e (...) outras que
lhes possam ser assemelhadas” (parágrafo 2º, incisos I e II).
Combater
tais exclusões pela via judicial, além de demorado, pode ser infrutífero, como
demonstra o precedente da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.643, em que o
Supremo Tribunal Federal declarou não ser ofensiva à isonomia a regra que
exclui do Simples as profissões liberais.
O impasse
encontra solução, a nosso ver, na Lei 12.441, de 2011, que inseriu o artigo
980-A ao Código Civil e
introduziu no Direito brasileiro a Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada (Eireli), pessoa jurídica de Direito Privado unipessoal.
Nesta
coluna, trataremos especificamente do caso da advocacia, a atividade mais
regulamentada dentre as referidas acima, mas as soluções propostas estendem-se
para quase todas as listadas no artigo 150 do RIR.
Entendem
alguns que o artigo 980-A do Código Civil é inaplicável à profissão, tendo em
vista: (a) o caráter empresarial da Eireli, que é vedado à advocacia, na forma
dos artigos 966, parágrafo único, do Código Civil e
16, caput, da Lei 8.906, de 1994 — Estatuto da Advocacia e da OAB
(EAOAB);
(b) o caráter limitado da responsabilidade patrimonial da Eireli, que seria
incompatível com o artigo 17 do EAOAB;
e (c) o caráter especial do EAOAB, que não foi revogado pelo Código Civil ou
pela Lei 12.441, de 2011.
Embora
algumas dessas premissas sejam acertadas, temos que a conclusão não se
sustenta.
A Eireli
é figura acessível a qualquer indivíduo capaz — o que decorre da natureza
universal do Código Civil — e apta a desenvolver quaisquer atividades,
empresariais ou civis, como se verifica do parágrafo 5º do artigo 980-A, que
fala em serviços de qualquer natureza; excluem-se apenas as
atividades que exigem forma societária específica, como as bancárias.
Embora a
pessoa jurídica individual (que não é sociedade, como se nota do artigo 44 do
Código Civil)
não conste, por razões óbvias, do EAOAB, consideramos errôneo afirmar-se a
incompatibilidade daquela com este. De fato, não conflita com as leis
anteriores, gerais ou especiais, que preveem as figuras A e B a lei posterior
que introduz de maneira genérica o instituto C como alternativa extra para a
formalização jurídica de uma mesma situação de fato.
Trata-se,
nesse caso, não de conflito (a ser dirimido pelos critérios de hierarquia,
cronologia e especialidade), mas de cúmulo normativo. O tema, pouco explorado
na doutrina, mereceu a atenção de Carlos Maximiliano, para quem “pode ser
promulgada nova lei, sobre o mesmo assunto, sem ficar tacitamente ab-rogada a
anterior”, caso daquela que estende a casos novos o campo de aplicação de
diploma preexistente.
Há
precedentes no campo tributário, bastando recordar-se o efeito da criação da
cisão de sociedades — figura inexistente no Decreto-lei 2.627, de 1940, e
inaugurada pela Lei 6.404, de 1976 — sobre a disciplina da responsabilidade
tributária por sucessão.
O artigo
132 do Código Tributário Nacional,
que é de 1966, obviamente não lhe fazia referência. E até hoje não há norma
geral que a contemple, a tanto não equivalendo o artigo 5º, inciso II, do
Decreto-lei 1.598/77, seja por ter nível de lei ordinária,
seja por reger unicamente o imposto de renda.
Apesar
disso, doutrina e jurisprudência admitem tranquilamente a responsabilidade das
empresas-filhotes pelos tributos devidos pela cindida, ao argumento de que,
sendo forma adicional de mutação empresarial, deve ter o mesmo tratamento
jurídico daquelas previstas no artigo 132.
Isso
também o que fez a Lei 12.441, de 2011, que não revogou qualquer dispositivo do
Código Civil ou do EAOAB e que, emendando expressamente o primeiro, estendeu de
forma tácita ao segundo a situação nova que deu à luz.
Sendo
certo que cabe à OAB o registro do advogado individual e da sociedade de
advogados (EAOAB, artigos 8 a 17) e que compete ao seu Conselho Federal
disciplinar os casos omissos no Estatuto (EAOAB, artigo 54, XVIII), temos que
incumbe a este último adaptar, por Provimento, as regras da EIRELI às
especificidades legais da advocacia.
Tais
adaptações não afetam os contornos essenciais do artigo 980-A do Código Civil,
estando por isso mesmo ao alcance da entidade de classe. De fato, trata-se
simplesmente (a) de substituir a expressão Eireli, na parte final da
denominação da pessoa jurídica, por “Advogado Pessoa Jurídica Individual”,
“AIPJ” ou termo similar (parágrafo 1º); e (b) de dispor que o registro far-se-á
na OAB (parágrafo 6º), ficando mantidas as demais regras, a saber: (i) capital
mínimo (caput); (ii) unicidade da inscrição principal (parágrafo 3º),
admitidas as suplementares; (iii) possibilidade de conversão de sociedade de
advogados em “Advogado Pessoa Jurídica Individual” (parágrafo 4º); (iv)
aplicabilidade subsidiária das regras próprias às sociedades limitadas
(parágrafo 6º).
A
abertura legal para tais ajustes assenta, repita-se, no parágrafo 5º do artigo
980-A do Código Civil, que nega o cariz unicamente mercantil da Eireli ao
permitir-lhe a prestação de serviços de qualquer natureza – inclusive civis,
portanto.
A
singeleza do instituto, combinada com a sua finalidade inclusiva (permitir a
qualquer pessoa física a atuação sob o manto da personalidade jurídica),
leva-nos a concluir que não se repete aqui a lógica das sociedades por ações,
que têm caráter empresarial pelo simples fato de adotarem esta forma jurídica,
não importa qual seja a sua atividade.
A menção
restritiva a empresa individual e a nome empresarial constitui,
a nosso sentir, um caso clássico de minus dixit do legislador.
Até porque, como lembra José Tadeu Neves Xavier,
as sociedades limitadas — cujas regras disciplinam subsidiariamente a Eireli —
podem exercer tanto atividades empresariais como civis, como se verifica da
conjugação dos artigos 983 e 1.052 a 1.087 do Código Civil.
Esta
também a visão da Receita Federal do Brasil, que na Nota Cosit 446, de 2011
recomenda que o registro da Eireli seja feito na Junta Comercial, quando o seu
objeto for empresarial, ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, na hipótese
contrária.
Tampouco
impede a extensão do artigo 980-A à advocacia a disposição do artigo 17 do
EAOAB. O que se tem é o conflito de regra geral nova (a resposabilidade
limitada do Advogado Pessoa Jurídica Individual quanto às obrigações em geral)
com regra específica preexistente, que prevalece em seu campo de incidência
próprio (a responsabilidade ilimitada por danos ao cliente).
A
interpretação histórica reforça a conclusão, ao recordar o veto ao parágrafo 4º
do artigo 980-A, segundo o qual “somente o patrimônio social da empresa
responder[ia] pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada,
não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que
a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao
órgão competente".
O comando
afastaria de plano e em definitivo as hipóteses legais de disregard,
como anotou a Presidência da República em suas razões de veto, e quiçá
impedisse também a aplicação da pessoa jurídica individual à advocacia, por
colocar o cliente em situação de fragilidade incompatível com o princípio da
responsabilidade por culpa. O fato de ter sido vetada afasta essa dificuldade.
O
“Advogado Pessoa Jurídica Individual”, sendo pessoa jurídica de pleno direito,
submeter-se-á ao regime tributário destas independentemente da equiparação
vedada pelo artigo 150 do Regulamento do Imposto de Renda. Isso o que afirmou,
em relação aos médicos, a própria Receita Federal do Brasil na Solução de
Consulta 131, de 2013.
Pensamos,
ademais, que a figura não traz desvantagens em tema de ISS, pois o artigo 9º,
parágrafo 1º, do Decreto-lei 406/68 determina
a tributação per capita “quando se tratar de prestação de
serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte”, o que
continuará a ser o caso.
Em suma,
parece-nos que está ao alcance do Conselho Federal da OAB — obtida, por
segurança, a anuência do Fisco federal quanto à interpretação aqui proposta —
mitigar a carga tributária dos milhares de advogados que atuam individualmente.
Por Igor
Mauler Santiago
Fonte: CONJUR
Genial. Excelente ideia.
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